10 janeiro, 2007

Lágrima de preta, um dos melhores...



Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterelizado.

Olheia-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão

05 janeiro, 2007

Decisões

A cada segundo que passa há pelo menos dois rumos opostos a serem seguidos, mas no fundo será que ambos não convergem no mesmo ponto? (Vi há uns tempos um filme que deixava essa dúvida no ar). De qualquer modo, mesmo que convirjam no mesmo ponto, nunca sabemos se lá chegaremos remando para sul ou deixando nos levar para norte. A dúvida instala-se sempre, tal erva daninha que perde facilmente a noção dos seus limites e invade planícies sem sequer pedir licença, apoderando-se do espaço até cairmos abruptamente num mundo interior…E aí surge o medo…Medo de falar, sentir, agir e acima de tudo decidir! Que força é essa o medo, que nos paralisa e persegue tal Cobrador do Fraque? Aparece sorrateiro e alimenta-se dos nossos próprios pensamentos, transformando-se e multiplicando-se, se nada se fizer contra ele.
Deverá então passar pelo conhecimento desse universo interior, o “eu”, o passo fulcral para que o encontro do eu se transforme na metamorfose do ser. Só assim é possível deixarmos de ser meros espectadores da nossa existência e passarmos a ter um papel activo na mesma. A teoria sei, fui bombardeada com ela nas aulas de Filosofia, mas como ainda me perco nas viagens ao meu “eu”, será que alguém tem uma solução mais fácil para as decisões? Moeda ao ar?

04 janeiro, 2007

Vozes da rádio

Hoje pela manhã atendo o telefone “Olá Rita, tudo bem? Já agora, Bom Ano… Qual é o teu interesse nessas banif que pagam x?”. Era o Luís, finalmente a chamada mais esperada da minha rotina diária. Com a sua voz estonteante, canta-me lengalengas sobre obrigações, mas a mim soam-me a declarações de amor. Na minha cabeça ouvi “Olá Rita, tudo bem? Já agora, Bom Ano… Qual é o teu interesse em apanhar hoje um avião para Roma e beber um limonchelo na Piazza di Spagna?”.

Desligo e liberto um suspiro. Acho que chego a corar, atropelo a minha colega para ler as mensagens que ele nos manda (estúpida, decora a mensagem, decora a mensagem), faço questão de lhe responder (invariavelmente tenho de lhe enviar uma nega, mas com corações nos ii’s…). Imagino um Luís alto, moreno, de camisa branca perfumada, fato e gravata escuros (tipo gangster). O que provoca uma bela voz!

O meu desejo de Ano Novo é nunca conhecer o Luís. Não seria capaz de suportar a desilusão.